segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Um País Engraçadinho Chamado Brasil




Centros de prática religiosa destruídos pela ação de traficantes cristãos, uma exposição polêmica, um gol de mão e a autorização do DF para tratar homossexualidade como doença. Tudo isso em menos de 10 dias em um país engraçadinho chamado Brasil, onde a corrupção está espalhada por todos os lados, embora o brasileiros acreditem que ela só está no meio político e, tal qual Pôncio Pilatos, lavamos as mãos quanto àquilo que não nos atinge, atacamos o que achamos que nos atinge e, parece ironia, ignoramos o que realmente nos atinge.






Religiões, religiões...

Ficamos ultrajados quando um pastor evangélico insulta a maior santa do país, talvez a maior santa do cristianismo sul americano, comparando-a a uma garrafa de refrigerante conhecido. Assim como quando imagens, também do catolicismo, foram destruídas, não muitos anos atrás. Mas assistir a uma mãe de santo ser obrigada a destruir seu local de culto religioso por traficantes parece certo, ou mais ou menos isso. Não duvido que algumas pessoas, que devem ter esquecido que aqueles homens armados vendem entorpecentes, tenham apoiado o episódio. Afinal o preconceito com que tratamos as religiões afro, bem como qualquer outra religião que não seja o cristianismo advindo da Europa é evidente em todas as formas. Não é possível, aliás não é concebível, que criminosos usem bordões evangélicos e acreditem em deus, mas, em seu dia a dia, sejam vendedores de drogas ilícitas e matem pessoas a seu bel prazer, o quê, em tese, vai contra a sua crença. Todavia isso não importa muito, afinal os "demônios" presentes nos locais destruídos, foram exorcizados pela "ação" daqueles homens. Preconceito e ignorância puras.






A Exposição do Demônio e a Cura Gay

Possuímos uma preocupação constante, aliás, uma FOME constante, com o que nossos amigos, vizinhos e parentes fazem de suas vidas e ficamos, 24 horas por dia, ligados em o quê e como essas pessoas vivem. Engajados nos moldes sociais e culturais de nosso tempo, elegemos, por assim dizer, o que é bom e o que mau; quem são nossos amigos e quem são nossos inimigos; o que é certo e o que é errado e, não menos importante, que comportamentos nos parecem bons e certos, que comportamentos nos parecem maus e errados. Desde muito jovem lembro que meus parentes e amigos tinham piadas particulares e peculiares para designar os LGBTs. Xingamentos e adjetivações pejorativas são comuns em meio a nossa cultura para designar ou ofender o foco de nossa ignorância quanto a essa parcela da população. Também pudera, nossa cultura vem da ideia de que o cristianismo, lá vamos nós novamente, é a verdade do universo e, para Paulo de Tarso, forte pilar da religião vinda da Europa, a homossexualidade é basicamente um crime contra sua ideologia. Junte a essa mistura o caos político e as falsas crenças de um povo, que só participa dos engodos democráticos quando há alguma vantagem a ser obtida, e logo teremos "cristãos politizados defensores da moral, bons costumes e da verdade da fé." Veja bem caro leitor, em Munique, cidade alemã, há um museu dedicado exclusivamente aos horrores da guerra. Os alemães fazem questão de mostrar a seus filhos e netos,  como seus avós e pais participaram do evento que mudou o mundo, sem tarjas nas fotos, sem meias verdades ou acobertamentos. Mas para nós, povo altamente desenvolvido, a conversa é outra. Não conseguimos perceber que uma exposição (promovida por um banco) dedicada a conscientização da diversidade sexual, e que está ali justamente para mostrar as diferenças, deve ser fechada pois ofende, mais uma vez e não é piada, nossa fé universalmente verdadeira, contribui para o aliciamento (como se isso fosse possível) de nossos filhos a uma espécie de conversão ao homossexualismo e veda nossos olhos ao fato de que, queiramos ou não, gays, lésbicas e transgêneros existem, são pessoas, tem direitos e ponto final. Nossa fé no cristianismo, sim estou citando isso de novo, nos convence de que os LGBTs não são naturais, não são pessoas, que são aberrações e que devem ser combatidos. Isso é tão nítido, que a decisão de um juiz do DF de permitir a "cura gay" parece estar em total acordo com o pensamento da população, ou da maioria dela. Retrógrada a decisão revela que, a despeito de outros países, o Brasil caminha para trás na busca das garantias de igualdade e equidade previstas na constituição federal. Parece uma grande piada, em pleno século XXI, considerarmos os LGBTs como doentes retardados. Não vai demorar e vamos voltar às fogueiras, queimando gays, ateus e não praticantes do cristianismo, tal qual os muçulmanos fazem até hoje em dia. Não gosto de dizer isso, mas não é coincidência que tudo isso seja fruto do pensamento religioso.






O Homem de deus no Futebol

Sejamos francos, jogadores (esportistas de uma forma geral) são cobrados 24 horas por dia. Funcionários de grandes instituições do esporte, tem de defender seu nome, respeitar sua história e doar a vida por elas. Não muito tempo atrás, acredito que a seis meses, um jogador de um grande clube de SP surpreendeu ao ter uma atitude honesta, parece até piada dizer que a atitude honesta causou surpresa, mas é a verdade. O tal jogador (não posso colocar o nome por questões legais) foi perseguido, achincalhado e virou motivo de piada entre as torcidas rivais. Já no último domingo 17/09, justamente o jogador que foi beneficiado com a honestidade do primeiro, deu provas de que ser honesto não é mesmo o foco do brasileiro. Meteu a mão na bola para fazer o gol e, ainda no campo, sinalizava que havia sido de peito mas, tão logo do fim da partida, declarou à mídia que não sabia onde a bola havia tocado em seu corpo (não, isso também não é piada). Indagado pelos audazes repórteres esportivos o tal futebolista disse que não podia estar mentindo pois ele é "um homem de deus!"
Então talvez as imagens de tv estejam mentindo ou deus, aquele no qual ele acredita, seja zureta ou cego mesmo.
Aqui mais uma vez, e prometo ser a última, vemos a ideia do cristianismo como verdade absoluta do universo atuando na mente do brasileiro típico. Desde o começo da presente década cada vez mais esportistas converteram-se ao cristianismo evangélico, uns falastrões e chatos, outros quietos e de bom senso. Mas todos sujeitos à mesma pressão de sempre, incentivados a busca dos resultados a qualquer preço em nome da manutenção da "grandeza" das instituições que representam. Então, no momento oportuno, se a necessidade for enganar, ludibriar e vomitar a suposta idoneidade advinda de seu deus, que seja e sem remorsos. Se pensarmos bem, o ato (do gol) foi ilegal e se, conforme entende-se o cristianismo pós moderno apoiado nos direitos humanos, a prática da honestidade é o foco, o jogador foi desonesto, mentiu e, em tese, desagradou seu deus. Mas desagradar a diretoria de seu time, que paga seu salário, desagradar a torcida, que no Brasil está mais para facção e virar motivo de piada por ser honesto, mas perder uma partida, é muito pior do que desagradar a um deus, seja ele qual for.

Conclusão

Como nação que aprendeu o cristianismo com os descobridores europeus, era de se esperar que nosso país se tornasse extremamente religioso. Também era de se esperar que desenvolvêssemos preconceitos diversos, pois apoiamos a construção do país na escravidão e em uma divisão social desigual. A corrupção foi e é, desde sempre, carro chefe de nossas negociações e políticas. As igrejas evangélicas, desde seu fortalecimento, em meados dos anos 1940, trouxeram outra visão da fé cristã e tornaram-se moda nos anos 2000, atingindo todos os setores da sociedade brasileira. Porém a cultura da corrupção, do preconceito e do jeitinho, que só nós temos, continuaram reinando soberanas em nosso meio. Soma-se a isso a falta de conhecimento em todos os pontos possíveis, a violência, ignorância política, o poder (des)informativo da internet e temos o quadro que apresenta diante de nós:
Traficantes evangélicos, defensores da moral e bons costumes, gente que vê os LGBTs como doentes, mentirosos de deus e todo tipo de loucura nessa mistura de desinformação, ignorância e preconceito aqui neste país engraçadinho chamado Brasil.